O lenço branco
Em "O lenço branco" palavras, ilustrações e projeto gráfico contam uma história que é comum apenas em uma primeira olhada. Bizoia aqui para saber mais sobre isso
"Tínhamos uma casa linda, com paredes de tijolos azul-escuro como o céu antes de uma tempestade de outono e janelas bem pequenas, muito comuns nas casas dos camponeses... "
As únicas partes coloridas deste livro são as letras iniciais do texto, chamadas de capitular, e os versos das capas, conhecidas como guarda-inicial e final ou primeira guarda e segunda guarda.
Vamos ler as cores deste livro?
Sim, vamos.
O lenço branco, de Viorel Boldis, com ilustrações de Antonella Toffolo e traduzido
por Eliana Aguiar, publicado pela Pequena Zahar, conta a história de um filho de camponeses que mora com seus pais em um vilarejo na Transilvânia. Trabalhar na terra era a principal atividade de todos ali, uma tradição transmitida de pai para filho há quase dois mil anos e ninguém lamentava isso, a não ser o narrador.
Todas as ilustrações do livro são preto-e-branco, em xilogravura.
A xilogravura é um processo de impressão sobre madeira. O artista esculpe seu desenho na tábua com um instrumento cortante, chamado goiva. Quando o desenho está pronto, ele passa tinta na superfície com um rolo, para que a distribuição fique homogênea. Então posiciona o papel na madeira e leva tudo isso para a prensa. Como o próprio nome diz, a prensa pressiona o papel e a madeira juntos, para transferir a tinta de uma superfície para a outra. Quanto mais esculpida for a madeira, ou seja, quanto maior for área trabalhada, maior será a área branca do desenho. Quanto menor for a área esculpida, mais tinta terá o desenho. Se o papel for branco e a tinta preta, e a área trabalhada for menor do que a área com tinta, o resultado da gravura será mais escuro. Se a área trabalhada for maior do que a área sem tinta, o resultado será mais claro. O gesto de esculpir a superfície da madeira não é o mesmo de deslizar um pincel com tinta no papel, tampouco de esfumaçar com o dedo um pastel na superfície. Para esculpir, precisa de firmeza no punho, precisão no movimento
para não rachar a madeira e para delimitar a área do desenho.
Meu pai era um homem duro, um “general”, consigo mesmo e com os outros.
Ele me amava, sem sombra de dúvidas; mas quando aprontava alguma travessura,
e aprontava muitas, ele me dava surras tremendas. Nesses casos, fugia para a casa
de algum amigo e ficava por lá até as coisas se acalmarem.O sinal que indicava que tinha chegado a hora de voltar era um pequeno lenço
branco na janela, preso por minha mãe, naturalmente, às escondidas do “general”!
A capitular é a primeira letra de um capítulo ou parágrafo, ela serve para indicar o início do texto. Pode ser colorida, com outra tipologia (desenho do texto), fina, grossa....
No livro O lenço branco, o texto de cada página começa com uma capitular, elevando cada trecho do texto a capítulo. É um jogo de decupagem do texto. Isso muda o status da divisão entre uma página e outra, como se fossem passos. Mas para onde o livro caminha?
Todas as capitulares do livro são coloridas.
O processo de impressão em quatro cores é composto pela combinação de magenta (rosa), ciano (azul), amarelo e preto. A soma dessas cores resulta no preto (que é preto mais preto do que o preto sozinho). Peraí? Somamos as cores? Cada cor é como se fosse um acetato. Quando colocados um sobre o outro, a sobreposição forma o preto.
Para a capitular ficar totalmente preta, sem cores na borda, é necessário posicionar precisamente os acetatos, as lâminas, ou seja, precisa acertar o registro.
No livro, as capitulares estão "fora de registro" sempre no mesmo sentido (para cima e para baixo), uma repetição da letra nas cores azul, roxo, vermelho e amarelo.
O registro tem o mesmo desenho de um alvo, e todas as lâminas de impressão têm esse desenho. É por meio dele que se ajusta com precisão a posição das lâminas, o resultado das cores. Estar fora de registro significa estar fora do centro, desalinhado ou pouco preciso, quando isso acontece usamos a expressão: “Precisamos acertar o registro”. No livro, predominantemente em preto e branco, a capitular é o único elemento colorido. E o que essa capitular colorida e fora do registro significa?
Ao crescer, o personagem principal resolve sair da aldeia.
Buscar a melhor sorte, sabe-se se lá onde ele diz.
Sair do padrão é sair de um registro. Se ver dentro de um molde e abrir caminhos para sair dele, requer coragem, força e determinação. Ainda mais quando esse padrão se amplia para além do núcleo familiar de origem.
No dia em que disse a meu pai que queria ir embora em busca de melhor sorte, sabe-se lá onde, ele ficou mal. Até porque eu era seu único filho.
Se quiser ir, vá mas não olhe para trás. Não tenha remorso. Vá embora para sempre -, disse vencido pela raiva e pela tristeza.
E o personagem vai embora da aldeia. Dessa parte do livro em diante, as ilustrações do livro ficam cada vez mais brancas, a madeira é cada vez mais esculpida, os caminhos mais abertos.
Mandou carta, ficou dois anos sem ter notícias, mas a madeira tem raiz, se sustenta por ela e um dia a vontade as voltar apareceu.
Quero voltar! Se ainda me querem, pendure – mãe, um lenço branco na janela no dia de Natal, como fazia quando eu era pequeno. Você lembra, mãe?
Na noite de Natal, ele volta à aldeia, as ilustrações estão brancas como um deserto de sal, as linhas pretas delimitam precisamente o que foi aberto na madeira e o que ficou. O texto toma outro ritmo, fica tenso. Nosso coração dispara junto com o do personagem. Sua angústia vira nossa angústia. E o virar de página se torna mais lento a cada passo, como se acompanhássemos o caminho dele da estação até sua casa em busca do lenço branco na janela.
autor-escritor: Viorel Boldis, autor-ilustrador: Antonella Toffolo,
projeto gráfico: Luigi Rafaelli, tradutor: Eliana Aguiar
Editora: Pequena Zahar
ISBN 978-85-3780-941-9
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